Andreia
Verdélio - Repórter da Agência Brasil
A falta de fornecimento de água
seguro, adequado e confiável para os setores altamente dependentes de recursos
hídricos resulta na perda ou no desaparecimento de empregos e pode limitar o
crescimento econômico mundial nos próximos anos, “a menos que exista
infraestrutura suficiente para gerenciar e armazenar a água”. O alerta é feito
hoje (22), Dia Mundial da Água, pela Organização das Nações Unidas (ONU).
A
edição de 2016 do Relatório Mundial das Nações Unidas para o Desenvolvimento de
Recursos Hídricos é produzido pela Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), em nome da ONU Água. Com o tema a
água e o emprego, ele mostra que 78% dos empregos que constituem a força de
trabalho mundial são dependentes dos recursos hídricos. “Nós temos algo em
torno de 1,5 bilhão de pessoas no mundo que ainda têm problemas de acesso à
água, seja em quantidade ou em qualidade. Isso afeta o emprego delas também”,
disse o coordenador do setor de Ciências Naturais da Unesco no Brasil, Ary Mergulhão.
A
Unesco estima que mais de 1,4 bilhão de empregos, ou 42% do total da força de
trabalho mundial, são altamente dependentes dos recursos hídricos. Entre os
setores mais atingidos estão a agricultura, indústria, silvicultura, pesca e
aquicultura, mineração, o suprimento de água e saneamento, assim como quase
todos os tipos de produção de energia. Esta categoria também inclui empregos em
áreas como cuidados de saúde, turismo e setores de gestão de ecossistemas.
Também
foi estimado que 1,2 bilhão de empregos, ou 36% do total da força de trabalho
mundial, são moderadamente dependentes dos recursos hídricos. São setores para
os quais a água é um componente necessário em suas cadeias de valores, como
construção, recreação e transporte.
Desde
os anos 80, a captação de água doce tem aumentado mundialmente em cerca de 1%
ao ano, principalmente devido à crescente demanda em países em desenvolvimento,
segundo a Unesco. “A redução da disponibilidade hídrica vai intensificar ainda
mais a disputa pela água por seus usuários. Isso afetará os recursos hídricos
regionais, a segurança energética e alimentar e, potencialmente, a segurança
geopolítica, provocando migrações em várias escalas”.
Economia
verde
Além do
aumento da demanda, as mudanças climáticas são uma ameaça à disponibilidade de
recursos hídricos. “A mudança climática levará, inevitavelmente, à perda de
empregos em determinados setores. Uma abordagem proativa de adaptação por meio
de políticas pode amenizar algumas dessas perdas”.
A
criação de oportunidades de emprego em atividades de mitigação e adaptação e o
mercado emergente de pagamentos por serviços ambientais pode oferecer às
populações de baixa renda a oportunidade de criar um tipo de empreendedorismo,
com aumento de renda e implementação de práticas de restauração e conservação.
“A
urbanização acelerada e o aumento dos padrões de vida, o aumento da demanda por
água, alimentos e energia de uma população mundial em constante crescimento,
inevitavelmente, levarão à criação de postos de trabalho em determinados
setores (por exemplo, tratamento municipal de águas residuais) e à perda de
postos de trabalho em outros”, diz o relatório.
Segundo
a oficial do Programa Mundial das Nações Unidas em Avaliação dos Recurso
Hídricos da Unesco na Itália, Angela Ortigara, as maiores potencialidade de
emprego estão relacionadas com a economia verde. “Há todo um trabalho para
capacitar os empresários para essa transição econômica”, afirma.
A
produção de energia, por exemplo, como um requisito para o desenvolvimento,
possibilita a criação de empregos diretos e indiretos por todos os setores
econômicos. Segundo a Unesco, o crescimento no setor de energia renovável leva
ao crescimento do número de empregos verdes e independentes de recursos
hídricos. “Podemos dizer que a geração de energia eólica e solar já cria mais
empregos do que a de fonte convencional”.
Questões
de saúde e gênero
Segundo
o relatório, investimentos em saneamento e em água potável de qualidade
fomentam o crescimento econômico, com altos índices de retorno. “O acesso ao
suprimento de serviços seguros e confiáveis de saneamento e de água potável de
qualidade, nas casas e nos locais de trabalho, em conjunto com a higiene
adequada, são essenciais para se manter uma força de trabalho saudável, educada
e produtiva”.
A
Unesco destaca as questões de direitos humanos, economia verde, desenvolvimento
sustentável e gênero, a serem consideradas pelos gestores de políticas públicas
ao tratar das relações entre recursos hídricos e trabalho. “Anualmente,
2,3 milhões de mortes são relacionadas ao trabalho. Doenças contagiosas ligadas
ao trabalho contribuem para 17% dessas mortes e, nessa categoria, os principais
fatores para a proliferação dessas doenças, mas que podem ser evitados, são
água potável de baixa qualidade, saneamento inadequado, falta de higiene e
falta de conhecimento”.
Segundo
o relatório, cerca de 2 bilhões de pessoas necessitam de acesso a melhor
saneamento, com as meninas e as mulheres em situação ainda mais precária.
Ortigara diz que isso se deve ao fato de que, em lugares sem infraestrutura, as
mulheres são responsáveis pela coleta de água e destinação das fezes, ou quando
precisam sair de casa e se afastar da comunidade para cuidar da higiene, muitas
vezes sofrem violências nesses percursos.
“E não
estamos falando só de zona de guerra”, disse a oficial, sobre os problemas
relativos à água, saneamento, higiene e emprego. Ela conta que um estudo feito
em Bangladesh, com a distribuição de absorventes íntimos em uma empresa onde
80% dos empregados eram mulheres, diminuiu as faltas ao trabalho de 73% para
3%.
Políticas
públicas
O
relatório da Unesco recomenda que cada país, conforme a sua base de recursos,
potencialidades e prioridades, identifique e promova estratégias específicas e
coerentes, bem como planos e políticas para alcançar o equilíbrio ideal entre
os setores da economia e gerar o melhor resultado possível de empregos decentes
e produtivos, sem comprometer a sustentabilidade dos recursos hídricos e do
meio ambiente.
“Com
vistas a promover o crescimento econômico, a redução da pobreza e a
sustentabilidade ambiental, deve-se considerar os métodos que reduzem a perda
de empregos ou o deslocamento de pessoas, além daqueles que maximizam a criação
de empregos resultantes da implementação de uma abordagem integrada na gestão
dos recursos hídricos”, acrescenta o relatório.