Valmar Hupsel Filho,
Mateus Coutinho e Fausto Macedo
O Estado de São Paulo
Ao pedir autorização do Supremo
Tribunal Federal para a instauração de inquérito destinado a apurar o crime de
embaraço à Operação Lava Jato – formalmente embaraço à Justiça – supostamente
cometido pelo ex-presidente José Sarney, os senadores do PMDB Renan Calheiros
(AL) e Romero Jucá (RO), e o ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, o
procurador-geral da República, Rodrigo Janot, se refere ao grupo como
‘quadrilha’ e ‘organização criminosa’.
“Está em curso um plano de embaraço da
investigação por parte de integrantes da quadrilha e seus associados. Como só
acontece em organizações criminosas bem estruturadas, o tráfico de influência é
apenas uma das vertentes utilizadas por esses grupos”, afirma Janot.
No documento, Janot afirma que a
atuação da Lava Jato, que resultou na prisão de dezenas de pessoas e
recuperação de milhões em dinheiro desviado, gerou “grande preocupação de todos
os integrantes da organização criminosa”. “Esse temor, no caso do núcleo
político, gestou um plano para obstrução da Operação Lava Jato, com a
utilização desvirtuada das funções e prerrogativas do Poder Legislativo,
cooptação do Poder Judiciário e desestruturação, por vendita e preocupação
contra futuras atuações, do Ministério Público”, afirma o procurador no
documento.
Segundo o procurador-geral, houve uma
“atuação planejada e concentrada de congressistas” para, entre outras coisas,
dificultar que investigados e réus celebrem acordos de colaboração premiada,
rever e reduzir os poderes do Ministério Público e anistiar agentes públicos
envolvidos. Janot também descreve a atuação do grupo para tentar exercer
tráfico de influência junto ao então ministro relator das ações penais no
Supremo Tribunal Federal, Teori Zavascki.
O pedido se fundamentou no termo de
colaboração premiada assinado por Machado, no qual são transcritos trechos de
mais de seis horas de conversas gravadas com Sarney, Jucá e Renan. Para o
procurador, as conversas “demonstram a motivação de estancar e impedir, o
quanto antes, os avanços da Operação Lava Jato em relação a políticos,
especialmente do PMDB, do PSDB e do próprio PT, por meio de acordo com o
Supremo Tribunal Federal e da aprovação de mudanças legislativas'”.
Segundo o procurador-geral, o objetivo
dos congressistas era ‘construir uma ampla base de apoio político para
conseguir, pelo menos, aprovar três medidas de alteração do ordenamento
jurídico em favor da organização criminosa’ – 1) proibição de acordos de
colaboração premiada com investigados ou réus presos; 2) a proibição de
execução provisória da sentença penal condenatória mesmo após rejeição dos
recursos defensivos ordinários, o que redunda em reverter pela via legislativa
o julgado do STF que consolidou esse entendimento; 3) e a alteração do
regramento dos acordos de leniência, permitindo celebração de acordos
independente de reconhecimento de crimes.
Janot argumenta que há ‘elementos
concretos de atuação concertada entre parlamentares, com uso institucional
desviado, em descompasso com o interesse público e social, nitidamente para
favorecimento dos mais diversos integrantes da organização criminosa”.
COM A PALAVRA, O SENADOR RENAN
CALHEIROS (PMDB/AL)
Por meio de sua assessoria, o senador
afirmou.
“O senador Renan Calheiros esclarece
que não fez nenhum ato para embaraçar ou dificultar qualquer investigação e que
sempre foi colaborativo, tanto que o Supremo Tribunal Federal já manifestou
contrariamente à pedido idêntico.”
COM A PALAVRA, O CRIMINALISTA Antônio
Carlos de Almeida Castro Kakay, defensor do senador Romero Jucá e do ex-presidente
José Sarney
O criminalista Antônio Carlos de
Almeida Castro Kakay, defensor do senador Romero Jucá e do ex-presidente José
Sarney, avalia que se houve crime este teria sido praticado pelo ex-diretor da
Transpetro Sérgio Machado, autor das gravações que dão sustentação ao pedido de
inquérito do procurador-geral da República Rodrigo Janot, que atribui aos
peemedebistas suposta obstrução à Operação Lava Jato.
“Eu acho que esse pedido é um pouco
consequência, quase que natural, daquele pedido de prisão (dos peemedebistas)
que foi feito (por Rodrigo Janot) e que foi um fiasco. Nas gravações realizadas
por Sérgio Machado não tem nenhum sinal de qualquer tentativa de obstrução.
Temos que fazer uma reflexão mais profunda sobre essa hipótese de tudo ser
obstrução à Lava Jato.”
“Quando se discutia a Lei de Abuso da
Autoridade os procuradores foram ao Congresso e alardearam que estava havendo
obstrução da Lava Jato. Ora, o projeto é de 2009, a Lava Jato nem existia.
Depois, quando se criticava a prisão (de condenados) em segunda instância
também vieram os procuradores e alegaram que isso iria paralisar a Lava Jato.
Quer dizer, a Lava Jato é importantíssima, seus resultados são fantásticos, mas
o País existe também fora da Lava Jato.”
“Pegar senadores discutindo modificação
legislativa, que é a função deles, e dizer que estão tramando contra a Lava
Jato é o mesmo que três ou quatro advogados criticarem a operação e, por isso,
serem acusados de obstruírem a Justiça. Se algum jornalista fizer um olhar mais
crítico à Lava Jato vão dizer que ele quer obstruir a Lava Jato.”
“Vivemos um momento crítico. É coisa
grave. Virou um país monotemático.”
“Não existe naquelas gravações (de
Sérgio Machado) qualquer tentativa de obstrução à Lava Jato. Passa mais perto
do crime a atitude de Sérgio Machado, de gravar ilegalmente (as conversas com
Jucá, Sarney e Renan). Não vejo no conteúdo das gravações nenhuma tentativa de
obstrução. Primeiro, tem que contextualizar as conversas. O Sérgio Machado
puxava. dirigia as conversas, criticava, xingava o procurador-geral da
República. Falava que tinha medo que baixassem o processo para a primeira
instância (Sérgio Moro). Não vejo obstrução ao processo.”
“Eu tenho muita preocupação que tudo
passe a ser tentativa de obstrução, de forma que não possamos mais criticar
absolutamente nada.”
“Reconheço o valor da Lava Jato, mas
não aceito essa alegação frequente de que tudo é uma forma de obstruí-la.”