POR MARCO GRILLO
O Globo
RIO — A mudança no entendimento do
Supremo Tribunal Federal (STF) ao permitir que acusados em ações penais sejam
presos após uma decisão de segunda instância, antes de esgotados todos os
recursos, poderá levar 3.460 réus para a cadeia, aponta um estudo inédito da
FGV Direito Rio. O número equivale a 0,55% da população carcerária brasileira —
622.202 pessoas, de acordo com os dados mais recentes do Ministério da Justiça.
A alteração na jurisprudência aconteceu
em fevereiro, após a análise de um pedido de habeas corpus, e provocou debates
no meio jurídico. Os defensores da medida alegam que a análise processual em
segunda instância é suficiente para a verificação das provas. Outro argumento é
o uso excessivo de recursos por parte da defesa, o que em alguns casos teria a
intenção de atrasar os trâmites e, no limite, provocar a prescrição dos crimes.
Já o grupo contrário à mudança
argumenta que ela fere o princípio da presunção de inocência, já que a
Constituição afirma que “ninguém será considerado culpado” até o trânsito em
julgado da sentença, o que só acontece quando a possibilidade de recursos se
esgota. Outra questão abordada é a possível insegurança jurídica, já que o
entendimento do STF sobre o assunto tem variado ao longo dos anos: em 2009, a
jurisprudência passou a apontar para a prisão após o trânsito em julgado; desde
fevereiro, voltou ao estágio anterior a 2009.
Coordenador do estudo, o professor Ivar
Hartmann, da FGV Direito Rio, defende que a análise em segunda instância é
suficiente para avaliar a culpa do réu.
— Acho que é proporcional restringir (a
presunção de inocência) quando já houve uma decisão de órgão colegiado sobre
aquele réu. Seria desproporcional executar a pena a partir da primeira
instância — avalia.
Na quinta-feira, o STF começou a julgar
duas ações que pedem a suspensão das prisões já determinadas com base no novo
entendimento e a proibição de outros encarceramentos fundamentados nesta
decisão. No julgamento, o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay,
alertou para o risco de se passar “por cima de direitos constitucionais”.
— Se começarmos a afastar os direitos
constitucionais, sairemos (do debate) como um país obscurantista — afirmou
Kakay, que representa o PEN, responsável por uma das ações.
Autora da outra ação, a OAB afirma, no
texto, que a decisão do STF “reescreveu a Constituição e aniquilou uma garantia
fundamental”. No voto que foi seguido pela maioria do plenário em fevereiro, o
ministro Teori Zavascki, relator, afirmou que a presunção sobre a inocência do
réu deve evoluir conforme o andamento do processo: “Desde que não se atinja o
núcleo fundamental, o tratamento progressivamente mais gravoso é aceitável”,
escreveu.