ANGELA PINHO
FOLHA DE SÃO PAULO
Com uma das piores taxas de
analfabetismo da América do Sul e sem cumprir compromissos internacionais na
área, o Brasil interrompeu o programa federal que ensina jovens e adultos a ler
e escrever.
Ao todo, 13 milhões no país não sabem
decifrar nem um bilhete simples, o equivalente a 8,3% da população com 15 anos
ou mais. Esse contingente era alvo do Brasil Alfabetizado, executado por
Estados e municípios com verba do governo federal.
O Ministério da Educação afirma que o
programa está em execução, mas prefeituras e governos estaduais relatam um
bloqueio no sistema da pasta que impede o cadastro de alunos -o que inviabiliza
o início de novas turmas.
A interrupção do programa foi
confirmada pelo ministério a uma cidadã que o questionou sobre o tema por meio
da Lei de Acesso à Informação. "Até o momento não há previsão de
reabertura do Sistema Brasil Alfabetizado para ativação de novas turmas",
respondeu, em junho, a pasta chefiada pelo ministro Mendonça Filho (DEM).
Atualmente, só os alunos cadastrados antes desse bloqueio do sistema estão
frequentando as aulas. De acordo com o ministério, são 168 mil no atual ciclo,
iniciado em outubro do ano passado.
O número explicita o encolhimento do
programa. Relatórios da pasta mostram que, até 2013 (dados mais recentes), eram
ao menos 1 milhão de atendidos ao ano.
NORDESTE
A Folha indagou a todos os governos do
Nordeste, onde estão 54% dos analfabetos do país, sobre a situação do Brasil
Alfabetizado.
Sete dos nove Estados da região
responderam, e relataram, no mínimo, expressiva queda de atendimento desde o
bloqueio do programa e, nos piores casos, o fim dos cursos de alfabetização.
"Começamos a inserir os nomes dos
alunos em maio, mas, no início de junho, o MEC avisou que o sistema tinha sido
fechado", diz Tereza Neuma, diretora de políticas de Educação de Alagoas.
Alagoas tem a maior taxa de
analfabetismo do país
"As aulas começariam em setembro,
mas suspendemos o processo após o bloqueio, em junho", afirma Janyze
Feitosa, gestora local do programa em Pernambuco.
"Em 2016, devido à suspensão do
Programa Brasil Alfabetizado pelo MEC, as atividades letivas ainda não tiveram
inicio", disse a secretaria de Educação do Ceará.
Os governos de Piauí, Rio Grande do
Norte e Bahia também relataram redução e descontinuidades dessa ação.
Criado em 2003, o programa é elogiado
pela dimensão e capilaridade, mas é criticado por seu índice de eficácia.
Documento deste ano feito por um grupo
que incluiu o Ministério da Educação aponta uma taxa de alfabetização de 47% a
56% dos alunos.
"É uma política grande, mas
demonstrou dificuldade de fazer com que o aluno voltasse a estudar", diz
Roberto Catelli, um dos autores do texto e coordenador de Educação de Jovens e
Adultos da ONG Ação Educativa. A pouca integração com a EJA (antigo supletivo)
é uma das explicações para resultados negativos do programa, ao lado da baixa
qualificação de educadores.
O sistema de gestão também chegou a ter
uma interrupção pontual em janeiro.
Os problemas deixam o Brasil ainda mais
atrasado no compromisso assumido em conferência mundial, em 2000, de chegar a
2015 com uma taxa de analfabetismo de 6,7%. No atual ritmo, só chegara à meta
em 2022.
OUTRO LADO
O Ministério da Educação afirma que o
Brasil Alfabetizado "está mantido e encontra-se em execução".
Diz que está iniciando a preparação de
novas turmas, mas ainda não há uma data para que isso aconteça.
Por meio da assessoria, a pasta
declarou ainda que as turmas atuais do programa foram abertas em outubro de
2015 e têm duração de oito meses. No atual ciclo, informa, são 17.445 turmas
com 167.971 alfabetizandos.
A gestão do ministro Mendonça Filho
(DEM), que assumiu em maio, também afirma que encontrou cortes no orçamento de
2016 para os programas Brasil Alfabetizado, Educação de Jovens e Adultos (EJA)
e Pro Jovem no valor de R$ 120 milhões, e que os mesmos programas já haviam
sofrido corte na ordem de R$ 112 milhões em 2015.
"Infelizmente, os indicadores de
analfabetismo entre jovens e adultos ainda são elevados", diz a pasta, que
cita o crescimento da taxa de analfabetismo entre jovens e adultos em alguns
Estados.
É o que aconteceu com cinco Estados de
2013 para 2014, ano com dados mais recentes: AL, GO, PI, RS e SP.
"O MEC considera a alfabetização
uma política pública prioritária, está discutindo com vários segmentos o
problema, avaliado os programas de alfabetização existentes e estuda a melhor
forma de reverter esse cenário."
A assessoria do ex-ministro da Educação
Aloizio Mercadante (PT), que comandou a área até o afastamento da presidente
Dilma Rousseff, atribuiu problemas orçamentários da pasta à situação política e
criticou o que chamou de "desmonte" da área.
Ele disse ter mantido ações no Brasil
Alfabetizado em 2016, mesmo com restrições financeiras. Segundo a equipe do
ex-ministro, questões orçamentárias do MEC estavam ligadas à espera pela
aprovação da alteração da meta fiscal no Congresso.