Em
entrevista concedida à reportagem do Jornal Pequeno, o médico veterinário Renan
Nascimento de Morais, formado pela Universidade Estadual do Maranhão
(Uema), demonstrou preocupação com o alto índice da leishmaniose visceral,
conhecida popularmente como calazar, em todo o Maranhão. Somente em sua
clínica, cerca de cinco casos de contaminados por semana são registrados.
Presidente
da Associação Nacional de Clínicos Veterinários de Pequenos Animais, regional
maranhense (Anclivepa/MA), Renan explicou que, há cinco anos, o calazar atingia
um cão por mês na região metropolitana de São Luís, mas esta estatística
aumentou surpreendentemente de lá para cá. Segundo seus estudos sobre o caso e
com base em sua vasta experiência na medicina veterinária, um dos fatores que
contribuíram para essa elevação foi a devastação do meio ambiente.
De
acordo com Renan, as principais indústrias de alumínio e produtos similares
instaladas na Ilha poluem as bacias, sendo que os animais silvestres acabam
sendo dizimados e deslocados de seus habitats. Aliado a isto, há a participação
das construtoras, que erguem imóveis em locais inapropriados e com presença
maciça de vegetação, lançando esgoto nos rios que correm por São Luís, Raposa,
São José de Ribamar e Raposa.
“Sem
devastação ambiental, há equilíbrio no ecossistema”, enfatizou Nascimento de
Morais. Quando uma área florestal é desmatada, prosseguiu o médico veterinário,
a fêmea da espécie Lutzomialongipalpis, popularmente conhecido por
“mosquito-palha”, retira-se do mato e passa a se concentrar no ambiente urbano,
sobretudo em locais periféricos, onde o saneamento básico é precário.
Sem,
por exemplo, um sistema de fossas apropriado, o calazar se prolifera em cães e
em pessoas com imunidade mais fraca, como crianças, idosos e enfermos.
Embora
a concentração da doença seja nesses locais onde a pobreza é mais evidente, o
calazar já está afetando áreas mais “nobres” da Grande Ilha, como Renan fez
questão de ressaltar, e isso é um dado preocupante. O contexto como um todo,
pontuou ele, deve ser observado e analisado com mais atenção e
cuidado pelo Poder Público, de todas as esferas governamentais, pois, no
Hospital Materno Infantil, unidade do Hospital Universitário da Ufma (HUUfma),
crianças de 4 a 8 anos dão entrada com sintomas da leishmaniose visceral.
De
acordo com Renan Morais, é necessário que se mantenha o “cordão verde” não
apenas da Ilha, como em todo o Maranhão, preservando o ecossistema, para que
se consiga reduzir esses índices. Para combater esse quadro alarmante, a
Anclivepa/MA, sob a presidência do médico veterinário, está realizando uma
parceria com o Governo do Estado, por meio da Secretaria de Saúde (SES), para
oferecer um tratamento digno aos animais de rua, como cães e gatos.
Um
documento, aliado a isto, será entregue à Promotoria do Meio Ambiente para que
as construtoras sejam orientadas a preservar determinadas áreas e para que um
levantamento sociogeográfico seja feito nesses locais antes da instalação de
imóveis.
O CALAZAR
A
leishmaniose visceral (VL), também conhecida como calazar, é a forma mais grave
da leishmaniose, sendo a segunda doença parasitária que mais mata no mundo
(apenas a malária é mais mortal). Assim como a Doença de Chagas e a Doença do
Sono, o calazar é uma das doenças tropicais negligenciadas (DTNs) mais
perigosas, que, se não for tratada, chega a ser fatal em mais de 95% dos casos.
O
calazar é endêmico em 47 países e aproximadamente 200 milhões de pessoas correm
o risco de serem infectadas. É altamente endêmico no subcontinente indiano e no
leste da África. Estima-se que 200 a 400 mil novos casos de VL ocorram
anualmente no mundo. Mais de 90% dos novos casos ocorrem em 6 países:
Bangladesh, Brasil, Etiópia, Índia, Sudão do Sul e Sudão.
A
leishmaniose é causada pelo protozoário parasita Leishmania, que é transmitido
pela picada de mosquitos infectados. O parasita ataca o sistema imunológico e,
meses após a infecção inicial, a doença pode evoluir para uma forma visceral
mais grave, que é quase sempre fatal se não for tratada.
A
doença afeta algumas das pessoas mais pobres do mundo e está associada à
desnutrição, deslocamento de população, condições precárias de habitação, um
sistema imunológico fraco e falta de recursos financeiros. A leishmaniose, em
geral, também está ligada a mudanças ambientais como o desmatamento, construção
de barragens, sistemas de irrigação e urbanização.