A Operação Radioatividade, a 16ª fase da Lava-Jato que investigou corrupção na usina de Angra 3 e foi deflagrada ontem, abriu mais uma janela na apuração de suspeitas que pesam sobre o senador e ex-ministro das Minas e Energia Edison Lobão (PMDB-MA); o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Raimundo Carreiro; e o advogado Tiago Cedraz, filho do presidente do TCU, Aroldo Cedraz. Policiais federais ouvidos pelo Correio adiantaram que um grupo de investigadores que apura o caso pelo Supremo Tribunal Federal deve ir a Curitiba avaliar o material apreendido pelos colegas do Paraná em busca de provas para embasar inquéritos no STF. Os três foram acusados de pagamento de suborno em delação premiada pelo presidente da UTC Engenharia, Ricardo Pessoa, mas negam as suspeitas. “Nunca recebi dinheiro ilegal”, disse Carreiro ontem à noite.
O caso investigado no Paraná é o mesmo em Brasília. A diferença é que alguns
personagens têm foro privilegiado no STF e só podem ser alvo de inquérito na
capital federal. Ontem, a PF prendeu o ex-presidente da Eletronuclear Othon
Luiz Pinheiro da Silva, almirante da reserva acusado de receber ao menos R$ 4,5
milhões em propinas, para beneficiar empreiteiras em obras na usina de Angra 3.
Também foi detido o presidente global da Andrade Gutierrez (AG), Flávio David
Barra, e vários executivos de outras empreiteiras.
Cerca de 180 policiais cumpriram 23 mandados de busca e apreensão de
e-mails e documentos em salas de executivos e endereços de Othon Pinheiro.
Ontem, ainda se avaliava em que momento os investigadores deveriam ir a
Curitiba, se já ou só quando os relatórios de análise do material apreendido
estivessem prontos, daqui a alguns dias ou semanas. Um investigador considerou
fortes as provas que mostraram que o almirante recebeu dinheiro das
empreiteiras na conta de sua empresa no mesmo período em que era presidente da
Eletronuclear.
Para os policiais, Othon, ligado ao grupo do PMDB do ex-presidente José
Sarney, pode acabar encurralado e revelar novos personagens do caso. Em março,
o então presidente da Camargo Corrêa Dalton Avancini afirmou que as propinas
atendiam ao partido e ao presidente da Eletronuclear. No Ministério Público, a
expectativa é que as provas produzidas alimentem o inquérito no STF
naturalmente. É uma via de mão dupla, avaliou uma fonte ligada às
investigações.
Parlamentares e integrantes do governo se mostraram chocados ontem com a
prisão do almirante Othon Pinheiro. Considerado um técnico extremamente
qualificado e competente, ele tinha relações próximas com o PMDB. Um
parlamentar que atua no setor classificou Othon como “um dos melhores quadros”
da área de energia. “Respeitadíssimo nos foros internacionais sobre energia
nuclear”, qualificou. O mesmo político lembrou que Othon praticamente
reformulou sozinho o funcionamento de Angra 3 e o projeto dos submarinos
nucleares que estão em construção, em uma parceria dos governos brasileiro e
francês. O militar ainda tem proximidade com o diretor da Eletrobras Valter
Cardeal, ligado à presidente Dilma Rousseff.
Corrupção endêmica
Segundo o Ministério Público e a Polícia Federal, a Andrade Gutierrez,
seis empreiteiras reunidas no consórcio Angramon e a Engevix bancaram propinas
para Othon em três negócios. No primeiro, a AG conseguiu um aditivo de R$ 1,248
bilhão em 2009 para retomar as obras de Angra 3, que começaram em 1983, mas
estavam paradas desde os anos 1990. No segundo, a Engevix abocanhou vários
contratos entre 2010 e 2013, que somaram R$ 122 milhões. No terceiro, o
consórcio Angramon, formado pelos consórcios Uma-3 e Angra-3, conseguiu
eliminar um concorrente na pré-qualificação de dois pacotes de obras que somam
R$ 3 bilhões. “Houve direcionamento na licitação para que essas empresas
concorressem sozinhas”, afirmou o procurador Athayde Ribeiro Costa, um
especialista em licitações que integra a força-tarefa da Lava-Jato. “Já sabiam
que ganhariam de antemão a licitação.”
Segundo ele, os R$ 4,5 milhões nas contas da Aratec Engenharia, a
empresa de Othon, foram pagos entre 2009 e 12 de dezembro do ano passado pela
AG e pela Engevix. Não se sabe ainda o valor exato pago por todas as empresas.
Os autos do processo mostram, porém, que houve R$ 109 mil pagos pela Camargo
Corrêa, R$ 371 mil pela Techint, além de R$ 504 mil pela OAS — que não fez
nenhum negócio investigado na operação de ontem.
Ribeiro disse que a corrupção para além da Petrobras mostra problemas.
“A corrupção no Brasil, infelizmente, é endêmica e está em estado de
metástase.”
A Andrade Gutierrez afirmou, em nota, que sempre esteve à disposição da
Justiça e que seus advogados analisam o caso. A Eletrobras, controladora da
Eletronuclear, disse em comunicado ao mercado que ainda analisa a prisão de
Othon. O advogado de Barra, Edward Carvalho, considerou a prisão desnecessária.