Por Ricardo Feltrin
UOL
A Polícia Federal, a Receita e o
Ministério Público Federal estão investigando uma "máfia" dedicada a
fraudar a compra e venda de shows públicos de grandes artistas.
Segundo levantamento obtido pela
reportagem, o volume de dinheiro obtido por meio de fraude na contratação,
superfaturamento de cachês ou infraestrutura pode passar de R$ 100 milhões
apenas nos últimos três anos. Somente no interior de São Paulo há R$ 15 milhões
já bloqueados pela Justiça a pedido do Ministério Público Federal.
Por enquanto há investigações em curso
em São Paulo, Rio, Pernambuco, Amazonas, Bahia, Pará, Ceará, Piauí e Rio Grande
do Norte. A investigação começou em 2010, no interior de São Paulo, e depois se
espalhou pelo país.
Quem a iniciou foi Thiago Lacerda
Nobre, hoje chefe da Procuradoria Geral da República em São Paulo, e procurador
da República em Santos.
"Quando viajava a trabalho pelo
interior de São Paulo comecei a perceber que algumas cidades minúsculas estavam
fazendo eventos com artistas de renome nacional, cujos cachês eram caríssimos.
Começamos a investigar porque não havia como aquelas cidades bancarem tantos
shows e festas de peão. Acabamos descobrindo uma série de irregularidades, que
envolviam não só as cidades, mas até o governo federal, que era fraudado por
meio de convênios culturais", afirmou o procurador em entrevista exclusiva
ao UOL.
Segundo Lacerda Nobre, somente no
interior de São Paulo 32 cidades com governantes ou contratantes (de áreas
culturais ou de eventos) estão hoje sofrendo ações de improbidade; além disso,
há dez ações criminais em curso contra ex-prefeitos suspeitos de envolvimento
ou facilitação das fraudes, e mais R$ 15 milhões já bloqueados até que as
investigações terminem.
"Esse valor se refere apenas a
bloqueios já realizados entre 2010 e 2013, e somente na região de Jales",
afirma o procurador.
No restante do país, segundo a
reportagem apurou junto a fontes da PF e MPF, as fraudes podem somar mais de R$
100 milhões desde 2013. Há novas ações sendo iniciadas em outros Estados.
Um dos artistas já condenados a
ressarcir os cofres públicos nos últimos meses foi o sambista Zeca Pagodinho.
Sua empresária, Leninha Brandão, confirma a condenação, mas nega
irregularidades e afirma que os advogados do artista vão recorrer (leia texto
abaixo). No caso de Zeca, a ação contra ele se desenrolou em Brasília.
Modus operandi
A fraude mais comum, segundo o
procurador, é aquela em que um atravessador recebe informação privilegiada de
que esta ou aquela cidade fará uma grande festa (de aniversário por exemplo) e
que a intenção é de contratar a dupla sertaneja "X". De posse da data,
o atravessador então se antecipa, entra em contato com a dupla e faz uma oferta
de compra da data em questão.
Quando um funcionário da prefeitura
entra em contato com o empresário da dupla, dizendo que a cidade tem interesse
em contratar seus artistas, é informado que a data em questão já está vendida,
e que a prefeitura deve procurar o empresário-atravessador. Não raro, a
prefeitura acaba pagando um preço às vezes exorbitante pelo cachê dos artistas
de seu interesse, porque o "atravessador" sabe que não há outras
opções e "enfia a faca" no município.
O problema é que, segundo o Ministério
Público Federal, há suspeitas de que muitos empresários e mesmo artistas
decidiram entrar no "esquema" nos últimos anos. Há uma lista de
empresas, empresários e artistas sendo investigados. Dezenas de sigilos fiscais
já foram quebrados, com autorização da Justiça.
Técnicos da Receita Federal, por sua
vez, estão cruzando dados de faturamento de artistas com dados declarados por
prefeituras que os contrataram.
Máfia regionalizada
Segundo dados obtidos pela reportagem,
a "máfia dos shows" está hoje instalada em ao menos oito estados. Em
cada um deles, a máfia designou um "atravessador", ou comprador de
shows.
Sempre que uma cidade do interior
desses estados quer comprar o show de algum grande artista, acaba sendo
"obrigada" a tratar da contratação por meio do atravessador desse
estado. Mesmo em alguns casos, contratações de artistas por empresas e locais
privados também foram prejudicadas.
Os escritórios e suspeitos investigados
pela força-tarefa estão atualmente localizados em São Paulo, Rio, Fortaleza,
Recife, Manaus, Salvador, Belém, Natal e Teresina.
Outra modalidade de fraude que está
sendo investigada envolve a contratação dirigida de empresas ligadas a funcionários
públicos (de áreas como Cultura e Eventos) que vem mantendo monopólio no
fornecimento de equipamentos e infraestrutura para grandes shows, como som,
iluminação, segurança e até banheiros químicos (veja álbum, no topo desta
página).