Daniel
Bramatti, Cecília do Lago e Marianna Holanda
O Estado de
S. Paulo
Auxílio-moradia,
auxílio-alimentação e auxílio-saúde não são os únicos itens a chamar a atenção
nos contracheques dos juízes brasileiros. Quase 7 mil deles receberam em
dezembro um total de R$ 211 milhões em pagamentos retroativos de benefícios e
indenizações – uma média de R$ 30 mil por magistrado.
Isso
significa que, no fim de 2017, cerca de 30% dos juízes federais e estaduais do
País tiveram os vencimentos engordados por algum “penduricalho do passado”, com
juros e correção monetária. Muitos deles foram contemplados graças ao
auxílio-moradia que os deputados federais recebiam entre 1992 e 1998.
Mas como o
auxílio-moradia pago pela Câmara dos Deputados há mais de duas décadas pode ter
impacto agora na folha salarial do Judiciário? A explicação envolve uma batalha
por equiparação de privilégios, na qual a balança da Justiça pendeu para o lado
dos juízes em diversas ocasiões, gerando um passivo no orçamento dos tribunais
que até hoje é pago de forma parcelada.
Tudo começou
em 1992, quando o Judiciário instituiu o pagamento da Parcela Autônoma de
Equivalência – um bônus – para que ministros de tribunais superiores recebessem
salário igual ao de deputados, com base na premissa constitucional de que deve
haver paridade de remuneração entre membros de distintos poderes. Isso gerou um
efeito cascata com impacto no contracheque de quase todo juiz.
Mas os
parlamentares recebiam na época, além do salário, auxílio-moradia, mesmo sem
precisar comprovar gastos com aluguel. Isso foi entendido como remuneração
indireta, o que abriu brecha para magistrados exigirem nova equiparação,
levando em conta o adicional de moradia. O Supremo Tribunal Federal (STF)
acolheu a reivindicação em 2000: decidiu que os juízes federais deveriam
receber, além do salário, o valor que os deputados embolsavam como
auxílio-moradia. Na época, isso equivalia a R$ 3 mil (R$ 9,2 mil em valores
atualizados ).
Em seguida,
associações de magistrados reivindicaram o pagamento retroativo, referente ao
período em que os deputados receberam auxílio-moradia e os juízes, não. Tiveram
ganho de causa: uma bolada equivalente a cinco anos do benefício. O efeito
cascata teve continuidade quando o mesmo direito foi estendido a magistrados
aposentados.
A novela não
acabou aí. Associações de juízes exigiram depois o recálculo da chamada Parcela
Autônoma de Equivalência referente a janeiro de 1998 a setembro de 1999, com
direito a juros e correção monetária. Mais uma vez obtiveram decisão favorável,
gerando novos rombos contábeis nos tribunais – sempre cobertos com
suplementações orçamentárias.
Bola de neve
A bola de
neve gerada pela concessão do auxílio-moradia a parlamentares na década de 1990
está rolando até hoje. O Estado perguntou a 32 tribunais qual o motivo dos
pagamentos retroativos na folha salarial de dezembro. Desembolsos referentes à
Parcela Autônoma de Equivalência, bem como correção monetária e juros sobre
ela, foram citados por 14 deles.
Outros
tribunais citaram o pagamento do que consideram uma “dívida” da época em que
muitos juízes ficaram sem receber auxílio-moradia, por causa da controvérsia
sobre a legalidade do benefício.
Como o
ministro Luiz Fux, do STF, liberou o pagamento do auxílio a praticamente toda a
magistratura em 2014, tribunais decidiram pagar retroativamente o benefício, por
considerar que houve prejuízo a quem não recebeu na tramitação do processo.
Foram
citadas ainda quitações retroativas de itens como gratificação por acúmulo de
jurisdição, adicional por tempo de serviço, diferença de proventos e pensões e
verbas rescisórias de instituidor de pensão, entre outros. O maior pagamento
individual, de R$ 8,2 milhões, foi feito pelo Tribunal Regional do Trabalho do
Ceará. Refere-se a concessão de pensão vitalícia a uma servidora com efeitos a
contar de março de 1993 – só de juros e correção, o montante foi de R$ 6,6
milhões.