Conversas gravadas pelo ex-presidente
da Transpetro, Sérgio Machado, revelam que estavam acontecendo articulações com
políticos do PMDB e ele para que as investigações da Operação Lava Jato fossem
prejudicadas.
Sérgio Machado usou um celular para
gravar conversas com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) e com o
ex-presidente da República e ex-senador José Sarney (AP). O conteúdo gravado
revela tentativas para garantir que Machado não fosse preso e até mesmo a
alteração de leis para beneficiar políticos investigados na operação.Estas
gravações foram feitas no âmbito da delação premiada de Sérgio Machado, que foi
homologada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Renan e Sarney negam que os diálogos tinham como objetivo interferir na Lava
Jato, que investiga desvio de recursos de contratos da Petrobras.
Sérgio Machado era considerado pelos investigadores o caixa da cúpula do PMDB,
mas ele afirmou em várias conversas que não havia provas que ligassem nenhum
dos líderes do partido ao suposto esquema.
Ele pediu ajuda para evitar que novas
delações surgissem ou que o juiz Sérgio Moro o pressionasse a falar. Em uma
conversa de 10 de março, o ex-presidente José Sarney (PMDB) disse que ajudaria
Machado a não ser preso.
SARNEY – Isso tem me preocupado muito
porque eu sou o único que não estive num negócio desses, sou o único que não
estive envolvido em nada. Vou me envolver num negócio desse.
MACHADO – Claro que não, o que acontece é que a gente tem que me ajudar a
encontrar a solução.
SARNEY – Sem dúvida.
MACHADO – No que depender de mim, nem se preocupe. Agora, eu preciso, se esse
p**** me botar preso um ano, dois anos, onde é que vai parar?
SARNEY – Isso não vai acontecer. Nós não vamos deixar isso.
Um dia depois, numa conversa com o
presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), Sérgio Machado reclama do
procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e diz que ele trabalha para que
Machado seja julgado pelo juiz Sérgio Moro, da Justiça Federal em Curitiba.
Renan diz que isso não pode acontecer.
MACHADO – O que eu quero conversar
contigo… Ele não tem nada de você, nem de mim… O Janot é um filho da **** da
maior, da maior.
RENAN – Eu sei. Janot e aquele cara da… Força tarefa…
MACHADO – Mas o Janot tem certeza que eu sou o caixa de vocês. Então o que ele
quer fazer… Não encontrou nada e nem vai encontrar nada. Então, quer me
desvincular de você. […] Ele acha que no Moro, o Moro vai me prender, e aí
quebra a resistência, e aí f****. Então, a gente precisa ver. Andei conversando
com o presidente Sarney, como a gente encontra uma… Porque, se me jogar lá
embaixo, eu tou fo****.
RENAN – Isso não pode acontecer.
Tentativa de influenciar Teori
Em outro trecho das gravações, também em 10 de março, Sérgio Machado sugere que
o grupo se aproxime do relator da Lava Jato no Supremo, ministro Teori
Zavascki.
Sarney cita o nome do ex-ministro do
Superior Tribunal de Justiça (STJ), Cesar Asfor Rocha, como alguém que, segundo
Sarney, teria proximidade com Teori, e diz que vai falar com ele sobre isso.
MACHADO – Porque realmente, se me
jogarem para baixo aí… Teori ninguém consegue conversar.
SARNEY – Você se dá com o Cesar. Cesar Rocha.
MACHADO – Hum?
SARNEY – Cesar Rocha.
MACHADO – Dou, mas o Cesar não tem acesso ao Teori não. Tem?
SARNEY – Tem total acesso ao Teori. Muito muito muito muito acesso, muito
acesso. Eu preciso falar com Cesar. A única coisa com o Cesar, com o Teori é
com o Cesar.
Machado também gravou uma conversa em
que estavam presentes, juntos, Sarney e Renan, em 11 de março. O tema ainda é
como ter acesso ao Teori. Desta vez, por meio do advogado Eduardo Ferrão, que
também seria amigo do ministro.
SARNEY – O Renan me fez uma lembrança
que pode substituir o Cesar. O Ferrão é muito amigo do Teori.
RENAN – Tem que ser uma coisa confidencial.
MACHADO: Só entre nós e o Ferrão.
O fato de que Sérgio Machado se viu
obrigado a fazer uma delação premiada para escapar da cadeia é indicativo de
que não surtiram efeito as tentativas de influenciar Teori Zavascki por meio de
Cesar Asfor Rocha e Eduardo Ferrão.
[Ex-ministro do STJ, Cesar Rocha] tem
total acesso ao Teori. Muito muito muito muito acesso, muito acesso. Eu preciso
falar com Cesar. A única coisa com o Cesar, com o Teori, é com o Cesar”
José Sarney,
Ex-senador e expresidente da República
Tentativa de alterar medida provisória
As conversas também mostram que houve negociações para alterar leis e tentar
prejudicar a Lava Jato como um todo. Com Sérgio Machado, Sarney fala de uma
medida provisória sobre acordo de leniência que o governo Dilma Rousseff editou
para facilitar que empresas admitam culpa e possam voltar a fazer negócios com
o setor público.
Depois de protestos do Tribunal de
Contas da União (TCU) e do Ministério Público, a medida provisória foi
substituída por um projeto de lei bem mais rigoroso.
MACHADO – Outro caminho que tem que
ter é a aprovação desse projeto de leniência na Câmara o mais rápido possível,
porque aí livra o criminal. Livra tudo.
SARNEY – Tem que lembrar o Renan disso. Para ele aprovar o negócio da
leniência.
Renan e Sarney conversaram também
sobre proibir que pessoas presas façam delações premiadas, ideia que
prejudicaria a operação Lava Jato, já que algumas delações foram fechadas por
suspeitos presos.
SARNEY – O importante agora, se nós
pudermos votar, que só pode fazer delação, é só solto.
RENAN – Que só pode solto, que não pode preso. Isso é uma maneira sutil, que
toda sociedade compreende que isso é uma tortura.
Outro caminho que tem que ter é a
aprovação desse projeto de leniência na Câmara o mais rápido possível, porque
aí livra o criminal. Livra tudo.”
Sérgio Machado,
Ex-senador e ex-presidente da Transpetro
Segundo investigadores, as tentativas de mudança na lei das delações premiadas
e a medida provisória da leniência faziam parte de um plano para enfraquecer a
Lava Jato.
Em outra conversa com Sérgio Machado,
em que foi discutida a delação de executivos da Odebrecht, o ex-presidente José
Sarney cita uma tentativa de acordo geral para barrar a operação.
SARNEY – A Odebrecht […] vão abrir,
vão contar tudo. Vão livrar a cara do Lula. E vão pegar a Dilma. Porque foi com
ele quem tratou diretamente sobre o pagamento do João Santana foi ela. Então
eles vão fazer. Porque isso tudo foi muito ruim pra eles. Com isso não tem
jeito. Agora precisa se armar. Como vamos fazer com essa situação. A oposição não
vai aceitar. Vamos ter que fazer um acordo geral com tudo isso.
MACHADO – Inclusive com o supremo. E disse com o Supremo, com os jornais, com
todo mundo.
SARNEY – Supremo … Não pode abandonar.
Apesar das conversas para tentar
evitar que a Lava Jato chegasse à cúpula do PMDB, Sérgio Machado fechou um
acordo de delação premiada fazendo justamente o oposto: entregou a Procuradoria
várias gravações como estas, em que compromete os ex-aliados. Ou seja, a
tentativa de interferir nas investigações não deu certo.
Além de entregar as gravações das
conversas, Sérgio Machado já deu depoimentos sobre o envolvimento de políticos
no esquema de corrupção na Petrobras. Agora, o procurador poderá pedir abertura
de investigações a partir das declarações, o que não tem prazo para acontecer.
Que só pode solto [para fazer delação
premiada], que não pode preso. Isso é uma maneira sutil, que toda sociedade
compreende que isso é uma tortura.”
Renan Calheiros,
Presidente do Senado
“Sem dúvida há gravidade nesses fatos. Mais uma vez revela-se tentativa de
comprometer a ação de investigadores e julgadores da operação Lava Jato. Mas o
que se revela também é que é uma tentativa que se frustra porque a operação
lava jato prossegue de forma ininterrupta e irresistível e irá até o fim. Os avanços
devem ser consagrados e não devemos permitir retrocessos. Me refiro à delação
premiada e à prisão com condenação em segunda instância”, disse o senador
Álvaro Dias (PV-PR).
Versões dos citados nas gravações
O presidente do Senado, Renan Calheiros(PMDB-AL), disse que sempre recebe
aqueles que o procuram, e que os diálogos não revelam, nem sugerem, qualquer
menção ou tentativa de interferir na Lava Jato. Ele afirmou que o processo de
recondução do procurador geral foi feito sem predileções e com a isenção que o
cargo de presidente exige.
O ex-presidente José Sarney disse ser
amigo de Sérgio Machado há muitos anos e afirmou que as conversas que teve com
ele foram marcadas pela solidariedade. Segundo ele, muitas vezes procurou dizer
palavras que ajudassem a superar as acusações que Machado enfrentava. Sarney
disse, ainda, lamentar que conversas privadas tornem-se públicas porque podem
ferir outras pessoas.
O Instituto Lula declarou que o
diálogo citado é fruto de mais um vazamento ilegal e confirma o clima de
perseguição contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O instituto
afirmou, ainda, que a conversa não traz nada contra o ex-presidente. E voltou a
declarar que Lula sempre agiu dentro da lei e que, por isso, não tem nada a
temer.
A defesa da presidente afastada Dilma
Rousseff disse que ela jamais pediu qualquer tipo de favor que afrontasse o
princípio da moralidade pública.
A defesa de Sérgio Machado voltou a
dizer que os autos são sigilosos e que, por isso, não pode se manifestar.
O ministro Teori Zavascki não vai
comentar o conteúdo dos aúdios.
O Jornal da Globo não conseguiu
contato com o ex-ministro do STJ César Asfor Rocha e com o advogado Eduardo
Ferrão.