A LAVA JATO foi muito bem sucedida em vender a imagem de
imparcial e implacável contra a corrupção. Os procuradores e o ex-juiz Sergio
Moro se empenharam para manter a opinião pública acreditando nisso, como ficou
claro pelas publicações da Vaza Jato. Hoje, sabemos que a operação não era nem
tão imparcial, nem tão implacável contra a corrupção assim. Alguns políticos e
setores econômicos contaram com a leniência dos procuradores.
Lula, por exemplo, era uma
obsessão, um alvo a ser eliminado da corrida eleitoral nem que para isso fosse
necessário infringir a lei. Já FHC era visto como um “apoio importante”, cujas
denúncias deveriam ser tratadas com muito cuidado. Esses são os casos mais
simbólicos, mas uma infinidade de exemplos que indicam que a força-tarefa
trabalhava com dois pesos e duas medidas.
Nos últimos três meses, a Vaza
Jato deu luz a alguns dos protegidos pela Lava Jato. Trago a seguir um
compilado com algumas das figuras que contaram com uma abordagem, digamos
assim, mais carinhosa.
Bancos
Diálogos publicados pela
parceria entre Intercept e El País revelam
que a Lava Jato tinha um cuidado especial com o setor bancário. Enquanto a
construção civil foi devassada pela operação, ampliando a crise econômica e o
desemprego do país, os grandes bancos foram poupados. Mesmo sabendo que o setor
bancário é o meio pelo qual o dinheiro de corrupção circula, a Lava Jato pouco
fez contra ele. Os grandes bancos continuaram a lucrar com a roubalheira.
“O Banco, na verdade os bancos,
faturaram muuuuuuito com as movimentações bilionárias dele”, escreveu o
procurador Pozzobon em mensagem enviada aos colegas.
O banco citado é o Bradesco, e as movimentações milionárias são de Adir Assad,
um lobista condenado por lavagem de dinheiro e envolvido em diversos casos de
corrupção. Os procuradores sabiam que o Bradesco tinha ciência de que o lobista
possuía uma conta no banco para lavar dinheiro “a rodo”. Na sequência da conversa,
Pozzobon responde a sua própria pergunta: “E o que o Bradesco fez? Nada”.
Sabendo que o Bradesco lucrava
calado com a corrupção do doleiro, o que a Lava Jato fez? Nada também. O banco
saiu impune.
Na proposta de delação premiada
do ex-ministro Palocci entregue à força-tarefa, o nome do Bradesco aparece 32
vezes. O do banco Safra aparece outras 71. Mas a delação foi rejeitada pelo
Ministério Público. O procurador Carlos Fernando Lima a chamou de “fim da picada” por
não trazer provas suficientes. O fato causou estranhamento à época, porque,
como se sabe, falta de provas nunca foi um problema para a Lava Jato. Agora
ficou mais fácil entender por que a delação de Palocci não caiu nas graças dos
lavajatistas.
Se houvesse uma Lava Jato da Lava
Jato, as palestras de Dallagnol para os bancos seriam tranquilamente
configuradas como propinas em troca de proteção nas investigações.
Dallagnol também mostrava-se
preocupado em poupar os bancos nas investigações. Diferentemente das grandes
construtoras, que não saíam das manchetes de corrupção e tinham seus executivos
presos, os bancos contaram com a morosidade da Lava Jato. Nos diálogos com
procuradores, Dallagnol deixou claro que os bancos não sofreriam uma devassa,
mas receberiam propostas de acordo: “Fazer uma ação contra um banco pedindo pra
devolver o valor envolvido na lavagem, ou, melhor ainda, fazer um acordo
monetário, é algo que repercutiria muito, mas muito, bem”. Toda aquela
volúpia punitivista contra as construtoras não era a mesma para os bancos.
Mas estamos falando dos
grandes. Os pequenos bancos não contavam com a mesma benevolência. Em maio
deste ano, quando três executivos do Banco Paulista foram presos, Pozzobon
deixou claro que a estratégia era pegar leve com os grandes. Enquanto os
pequenos tinham seus executivos indo para cadeia, aos grandes seriam oferecidos
acordos: “Chutaremos a porta de um banco menor, com fraudes escancaradas,
enquanto estamos com rodada de negociações em curso com bancos maiores. A
mensagem será passada!”
Nessa mesma época, Dallagnol
enchia o seu pé de meia dando palestras para CEOs dos grandes bancos do país.
Em apenas uma palestra vendida para a Febraban, o procurador recebeu quase o
mesmo valor de um mês de salário. Essa palestra foi feita um dia depois de
Pozzobon afirmar no Telegram que o Bradesco sabia que a conta de Assad servia
para lavagem de dinheiro. O tema da palestra? Prevenção e combate à…lavagem de
dinheiro.
Se houvesse uma Lava Jato da
Lava Jato, as palestras de Dallagnol para os bancos seriam tranquilamente
configuradas como propinas em troca de proteção nas investigações. Nós
conhecemos bem os métodos lavajatistas. Dallagnol já teria sofrido até mesmo
uma condução coercitiva.
FHC
Fernando Henrique Cardoso também não conheceu o lado
implacável da Lava Jato. Os procuradores não investigaram mais profundamente os
casos de corrupção envolvendo o ex-presidente e seu governo. E não foram
poucas as vezes que o nome do ex-presidente apareceu nas
investigações.
A ordem veio de Sergio Moro, que recomendou a Dallagnol
que não prosseguisse com as investigações contra FHC para não “melindrar alguém
cujo apoio é importante”. Como os desejos de Moro soavam como ordens para
Dallagnol, as investigações foram engavetadas.
Uma operação de caráter essencialmente político precisava
articular alianças políticas e usava o seu poder para protegê-las.
Não foi à toa que recentemente FHC chamou as publicações da Vaza Jato de
“tempestade em copo d`água”. A aliança segue firme.
Álvaro Dias
Durante as investigações, o nome de Álvaro Dias, do
Podemos, surgiu em dois episódios como beneficiário de propinas. Em um deles, o
ex-candidato a presidente foi acusado de receber propina para ajudar a melar a
CPI da Petrobrás. O senador chegou a prestar depoimento para Moro em 2017 sobre
o caso, mas o ex-juiz e o então procurador Diogo Castor pegaram tão leve
que nem chegaram a perguntar se
ele havia recebido a propina.
Em outro episódio, e-mails do advogado da Odebrecht
Rodrigo Tacla Durán indicavam que Álvaro Dias teria recebido R$ 5 milhões em
propina para pegar leve nas perguntas aos investigados na CPMI de Carlos
Cachoeira, o empresário do jogo do bicho. O caso não mereceu uma
investigação mais profunda, e Dias jamais virou um investigado.
Em 2014, um doleiro condenado pela Lava Jato estava
prestes a apontar Álvaro Dias como o padrinho político de Alberto Youssef,
outro doleiro também condenado pela operação. Em depoimento, o doleiro passou a
descrever quem seria o seu padrinho, mas foi interrompido pelo juiz Sergio
Moro: “A gente não está entrando nessas identificações, doutor”. O doleiro quis
continuar, disse que não estava “citando nomes”, mas o juiz interrompeu
novamente: “Se a gente for descrever e falar as características, daí não
precisa falar o nome, né?” O UOL entrou em contato com o advogado de Meirelles,
que confirmou que
o padrinho político de Youssef era mesmo Álvaro Dias.
Depois de ser poupado pela operação em várias
oportunidades, o senador passou a última campanha presidencial inteira tendo
como principal bandeira a defesa da Lava Jato. Prometeu até o cargo de ministro
da Justiça para Sergio Moro.
A simbiose entre Álvaro Dias e Lava Jato é mesmo fascinante.
Até a nova assessora de imprensa contratada por
Sergio Moro, por exemplo, trabalhou durante muitos anos com Álvaro Dias no
Senado.
Paulo Guedes
A força-tarefa descobriu que uma empresa do ministro fez pagamento a um
escritório de fachada, suspeito de lavar dinheiro para esquema de
distribuição de propinas a agentes públicos no governo do Paraná. Segundo os
investigadores, essa empresa de fachada emitia notas fiscais frias para
justificar o recebimento de dinheiro e gerava recursos em espécie para o
pagamento de propinas. Uma denúncia sobre o caso chegou a ser apresentada, mas
nem o ministro nem ninguém da sua empresa foi denunciado. Curiosamente, os
responsáveis por outras duas empresas que participaram do esquema foram presos,
denunciados e viraram réus.
Carlos Felisberto Nasser, o operador do esquema, era o
responsável pela empresa de fachada que recebeu grana de Paulo Guedes. Durante
buscas da Polícia Federal na sua casa, Nasser confessou que a sua empresa não
existia e que os recursos colocados nela foram usados em campanhas políticas.
Mas, em junho de 2018, poucos meses do início da campanha presidencial, Sergio
Moro anulou esse depoimento. O juiz declarou que o interrogatório foi ilegal,
porque o acusado não foi informado pelo MPF que tinha o direito de ficar
calado. Detalhe: Nasser é advogado. É o tipo de prudência que não se espera de
um juiz conhecido por infringir a lei reiteradamente.
À época da descoberta, Guedes já era o grande nome da
campanha do Bolsonaro, apresentado como o fiador da política liberal do
candidato. Era o homem que tornou a extrema direita palatável para o mercado.
Uma denúncia contra Guedes seria avassaladora para Bolsonaro, que passou a
campanha explorando o fato de estar distante dos acusados na Lava Jato. Ou
seja, se por um lado a operação se esforçava em tirar Lula do páreo, por outro
poupava a candidatura que levaria Sergio Moro ao ministério da Justiça.
Registre-se que foi Guedes quem
convidou Sergio Moropessoalmente para integrar o governo.
Onyx Lorenzoni
Você já conhece esse episódio. É talvez o mais
representativo da frouxidão moral de Sergio Moro e da seletividade da Lava
Jato.
Ainda juiz, Moro disse que “caixa 2 é pior
que corrupção”. Depois que virou político e seu colega de governo
Onyx Lorenzoni, do Democratas,, confessou ter cometido crime de caixa 2, Moro passou a dizer que
“caixa dois não é tão grave quanto corrupção”.
A Vaza Jato revelou que Onyx, que ocupa o ministério mais
importante do governo Bolsonaro, também contou com a tolerância dos
procuradores da operação. Em diálogo com um militante de um movimento
anticorrupção, Dallagnol confessou que
sabia que Onyx aparecia na lista de beneficiários de caixa 2 da Odebrecht: “Já
sabia, mas tinha que fingir que não sabia, o que foi na verdade bom… rs”.
Dallagnol não apresentou nenhuma denúncia contra
Lorenzoni. Varrer essa corrupção para debaixo do tapete seria estratégico, já
que o deputado era considerado o principal aliado político da campanha pelas
“Dez medidas contra a corrupção” — uma obsessão de Dallagnol. Se o Brasil tem
hoje um chefe da Casa Civil reincidente em caixa 2, é graças à passada de pano
da Lava Jato.
A IMPLACABILIDADE
DA LAVA JATO contra a corrupção era seletiva. Para
alguns setores econômicos e políticos ela atuava como um “tigrão”, mas para
outros estava mais para “tchuchuco”. A operação selecionava os casos de
corrupção que iria combater a partir dos seus próprios critérios políticos. O
brasileiro que achou que a Lava Jato estava passando o Brasil a limpo foi
enganado.
Dallagnol e Sergio Moro se viam numa jornada messiânica
para salvar o Brasil. Tentaram derrubar ministro do STF, fizeram lobby para
emplacar PGR, influenciaram a campanha presidencial, enfim, brincaram de Deus.
Mas não é o Deus cristão. É um mais parecido com aquele do Bolsonaro. Um Deus
que deseja criar um monumento para
si. Um Deus acima de tudo, com viés ideológico.