Segundo a Organização Mundial de Saúde ( OMS), quase 800 mil pessoas se suicidam por ano no mundo, uma a cada 40 segundos. Ou seja, enquanto você está lendo esse texto, uma pessoa está cometendo esse ato, que é a segunda maior causa de morte entre pessoas de 15 a 29 anos de idade.
A OMS diz que são registrados cerca de 12 mil suicídios todos os anos no Brasil e mais de 1 milhão no mundo. Trata-se de uma triste realidade, que registra cada vez mais casos, principalmente entre os jovens. Cerca de 96,8% dos casos de suicídio estavam relacionados a transtornos mentais. Em primeiro lugar está a depressão, seguida do transtorno bipolar e abuso de substâncias. E de acordo com a Associação Brasileira de Psiquiatria 17% das pessoas no Brasil já pensaram, em algum momento, em tirar a própria vida.
Para falar sobre a realidade do estado e apontar caminhos para mudar esse cenário, conversamos com o médico psiquiatra Ruy Palhano, integrante do Fórum Estadual de Prevenção da Automutilação e do Suicídio, Secretário Adjunto da Associação Maranhense de Psiquiatria e eleito recentemente, Diretor-Secretário da Região Norte da Associação Brasileira de Psiquiatria para o triênio 2020-2023.
“O Maranhão integra a Região Norte por ter dado apoio ao Amazonas em um momento crítico pelo qual passou aquele estado. Temos a responsabilidade não só mais com o Maranhão, de implementar as políticas públicas de saúde mental e de psiquiatria também nos estados do Acre, Rondônia, Pará, Amazonas e Amapá”, comenta o médico.
Segundo ele, a ideia é desenvolver estratégias políticas na área da prevenção das doenças mentais e tentar ajudar gestores públicos a organizar melhor as estratégias pra enfrentamento da depressão, suicídio, transtorno de ansiedade, hoje um problema gravíssimo no mundo. “O Brasil por exemplo, é o primeiro país no mundo a deter os maiores índices de transtorno de saúde e o segundo de depressão, sem falar nas questões relacionadas às drogas que também são foco da ABP, em colaborar com os estados brasileiros no sentido de organizar políticas mais consistentes, mais eficazes, mais efetivas”, disse o médico.
Dr. Ruy Palhano foi eleito no dia 12 de outubro e será empossado em fevereiro de 2020. De acordo com ele sua primeira atitude será fazer uma reunião regional para ouvir as necessidades, demandas e interesses de cada estado. “Nós temos a Associação Maranhense de Psiquiatria que já tem pelo menos 40 anos de pleno funcionamento e é um membro importante da ABP. Quem chefia essa associação é Dr. Francisco Frazão. Eu fui presente por 3 mandatos e é uma das importante federadas brasileiras, porque todos os anos nós fazemos eventos relacionados à psiquiatria e saúde mental. Agora no dia 19 de novembro nos faremos a 13ª Jornada Maranhense de Psiquiatria que terá participantes de todo o Brasil. Confira a entrevista.
Como está o Maranhão no aspecto da saúde mental?
Eu te diria sem nenhuma dúvida, sem medo de errar, que a doença psiquiátrica hoje no mundo e particularmente no Brasil, e mais ainda particularmente no Maranhão é um dos maiores desafios em matéria de saúde pública. Não há nenhuma outra doença que exija cuidados com tanto rigor, no presente momento, que as doenças psiquiátricas. O país detém o primeiro lugar no ranking dentre todos os países no mundo com índice de transtorno de ansiedade, é o segundo do mundo em transtorno de depressão, e que aí já leva milhões de pessoas, tem transtornos relacionados ao consumo de substâncias, uso de drogas por exemplo, que é uma coisa avassaladora. Sobretudo, com ameaça imediata da liberação de droga pelo Supremo Tribunal Federal que vai acontecer no dia 6 de novembro, quando será decidido juridicamente a liberação de droga no pais. Fatalmente, certamente, com essa liberação irão se desenvolver mais doenças psiquiátricas.
Piora o cenário…
Lamentavelmente. De transtorno relacionado a consumo de substancia nós temos 10 a 13 por cento da população brasileira dependente de álcool, só aí já vai mais de 17 milhões de pessoas. Então a gente está entro de um cenário muito complicado e as situação mais complexa que tem de tudo isso é que cada vez mais o número decresce, para esses transtornos, a idade das pessoas envolvidas. Tem crianças com depressão que tem 8, 9 anos de idade.
Crianças com transtorno de ansiedade com 7 anos. Isso te dá um cenário de perguntar para onde que vai essa situação? Outra coisa importante é que a situação está aí imposta, os números não mentem.
E o que está sendo feito efetivamente para solucionar isso?
Já houve uma melhora com a promulgação, em abril, da nova legislação brasileira sobre saúde mental. Então, ampliaram-se as possibilidades de criar-se ambulatórios, serviços de internação hospitalar, ampliação das redes de atendimento. Mas eu, pessoalmente, acho que deveriam ser tomadas outras medidas para se enfrentar isso.
O que por exemplo?
Treinar Upas (Unidades de Pronto Atendimento) para atendimento de doenças psiquiátricas. As Upas deveriam ser aparelhadas, os médicos treinados para poder prestar o primeiro atendimento do doente psiquiátrico. Porque muitas vezes só se recorre ao Hospital Nina Rodrigues para um atendimento desses enfermos. É um hospital super lotado, não tem infraestrutura pra dar conta de todas as demandas do estado do Maranhão. Eu acho que poderia ter uma espécie de rastreamento para esse atendimento nas unidades de pronto atendimento que não são preparadas para isso. Outro ponto é o desenvolvimento nos prontos socorros psiquiátricos, de unidade de atendimento de paciente com depressão, pacientes suicidas.
Como ocorre hoje?
Se a pessoa tenta suicídio e graças a Deus não consegue, a pessoa vai para a unidade, é atendida, socorrida, medicada… e depois? É mandada para casa. Mas não é para mandar para casa, é para mandar para uma unidade psiquiátrica preparada, capacitada para poder fazer um contraponto dessa tentativa de suicídio.
Outra medida é o atendimento em hospitais pediátricos de urgência psiquiátricas. Onde é que estão sendo atendidos nossas crianças e adolescentes? Não tem. Pai e mãe ficam desesperados porque não tem onde recorrer. Temos uma o CAPSI (Centro de Atenção Psicossocial para Infância e Adolescência), então porque não se ampliam esses centros? Então, essa população está desassistida. Outra medida, do ponto de vista médico, que pode ser implementada, é o treinamento de escolas para lidar com automutilação. As professoras, coitadas, não sabem o que fazer com o volume de crianças e adolescente se mutilando. É gigante, e como é um assunto relativamente novo não se tem, epidemiologicamente, um número exato, mas estima-se que 60% das crianças e adolescentes tem se automutilado.
Porque ocorrem esses transtornos cada vez mais cedo?
Temos três fatores para explicar o comportamento psicopatológico de um sujeito ou de uma sociedade. Primeiro: As condições genéticas. A absoluta maioria dos transtornos psiquiátricos tem um braço genético fortíssimo. Então tem pessoas que tem vulnerabilidade, suscetibilidade, tendência para o desenvolvimento de determinadas doenças, como depressão, esquizofrenia, alcoolismo, que são transtornos que estão geneticamente determinados; outro fator é a própria sociedade. Qual é o preparo que a família tem para lidar com problemas psiquiátricos? A família não sabe o que fazer.
Se uma mãe assiste que o filho está se drogando ela fica desesperada, mas não procura um serviço médico. Não tem uma adequação, a família está despreparada para manejar com isso; E por fim, o terceiro fator é a nossa violência. Então você vê uma família desagregada, os pais não cuidam do filho, cada um cuida da sua vida porque tem que aparecer os interesses financeiros da família e etc. E esse filho está sendo educado aonde? Ou pela escola que não é responsabilidade dela, ou por alguém da rua, ou pela internet. Esses fatores sociais estão contribuindo muito para a formação dessas doenças mentais. Junta esses fatores genéticos, ambientais, os da própria natureza humana, acaba formando uma bomba que está permeando todas as instâncias da sociedade.
Temos perspectivas para melhorar isso?
O pior é que não há. Não assim a curto prazo. Não é fácil, não é simples. Em geral os gestores públicos estão muito distante disso, estão vinculados a outros interesses políticos e deixam essas questões de lado. No interior ficamos assustados. Não tem um programa, uma preparação específica a não ser essa padronizada pelo governo federal. Sei disso porque consulto e atendo 80, 90 pessoas por consulta.
Obrigada pelos seus esclarecimentos.
Quero aproveitar para agradecer em nome da Associação Maranhense de Psiquiatria, e em meu nome em particular, esse apoio gigantesco que a gente recebe de O Imparcial. O Imparcial é um aliado fortíssimo na promoção da saúde porque permite que falemos, colabora, apoia, divulga… parabéns ao jornal.
Temos a responsabilidade não só mais com o Maranhão, de implementar as políticas públicas de saúde mental e de psiquiatria também nos estados do Acre, Rondônia, Pará, Amazonas e Amapá