247 - O Jornal Nacional, da TV Globo, e demais emissoras que formam a chamada "mídia corporativa" foram um "suporte relevante" para a consolidação do golpe contra a ex-presidente Dilma Rousseff em 2016 e para a eleição de Jair Bolsonaro (PL) em 2018.A conclusão é da jornalista e linguista Eliara Santana, que lançou recentemente um estudo acadêmico e um livro sobre o assunto: "Jornal Nacional: um ator político em cena". Os detalhes foram publicados por Mauricio Stycer, no UOL, nesta quinta-feira (14).
Além de ter contribuído para a derrubada de Dilma, o Jornal Nacional e seus similares contribuíram para inserir "o país num quadro de grande polarização social e também de desestruturação política e econômica, estendendo-se ao processo eleitoral de 2018 e posteriormente".
De acordo com Santana, o processo de impeachment contra Dilma teria sido diferente "se não fosse amparado e legitimado pela mídia corporativa", que construiu uma "narrativa" para associar o PT "uma corrupção nunca vista antes", bem como para responsabilizar Dilma por "uma crise econômica sem precedentes".
A imprensa corporativa atuou para dar ares de "questões gravíssimas" a "problemas conjunturais", enquanto notícias positivas sobre o governo petista sofriam "silenciamento". A pesquisadora relembra o caso da saída do Brasil do mapa da fome da Organização das Nações Unidas (ONU) em 2014. O fato, de extrema relevância, teve o espaço de apenas 38 segundos no Jornal Nacional.
O mesmo ocorreu quando, no governo Dilma, o Brasil atingiu o mais baixo índice de desemprego na história (4,8%), em dezembro de 2014. O telejornal da TV Globo deu 30 segundos para noticiar o feito. Para efeito de comparação, a autora resgata notícia de janeiro de 2018, do governo do ex-presidente golpista Michel Temer, quando o desemprego chegou a 12,7%, o pior em cinco anos. O Jornal Nacional noticiou: "sinais de recuperação da economia ainda discretos, mas suficientes para estimular mais pessoas a procurarem empregos".
Na preparação para o golpe que ocorreria em 2016, o Jornal
Nacional noticiou, em março de 2015, uma manifestação a favor de Dilma, destacando que os organizadores do ato eram sindicalistas da CUT. Três dias depois, ao tratar de uma manifestação contra o governo, o Jornal Nacional não divulgou quem eram os organizadores do evento. A estratégia, explica Santana, era colocar sob suspeita a manifestação pró-governo e dar um caráter de espontaneidade aos protestos contra a ex-presidente.
Na ocasião da divulgação do vazamento de um grampo ilegal, feito pelo então juiz da Lava Jato, Sergio Moro, entre Dilma e o ex-presidente Lula (PT), a forma como o jornal noticiou o tema 'induziu os telespectadores à emoção, à comoção, que não é necessariamente positiva, mas também de raiva e indignação', argumenta Santana. Segundo a pesquisadora, a notícia foi "encenada, com a dramatização da ação e representações dos personagens e a intervenção de narradores" - William Bonner e Renata Vasconcellos - para gerar este tipo de reação no público. Ela destaca a "modalização da voz e da entonação (mais grave e circunspecta em alguns momentos, efusiva em outros)" dos apresentadores do telejornal.
Sobre a eleição de 2018, na qual Bolsonaro foi eleito para assumir o Palácio do Planalto, Santana observou um tratamento diferente dado pelo Jornal Nacional ao petista e ao então candidato do PSL.
Ambos passaram por um "silenciamento" por parte do telejornal, suas declarações não eram mostradas, mas há uma diferença relevante: Lula, que estava preso injustamente por conta da Lava Jato, tinha suas entrevistas ignoradas com "viés negativo"; já Bolsonaro era silenciado com "viés positivo", ou seja, para seu próprio bem. A TV Globo evitava exibir suas falas para "não expor um candidato controverso e declaradamente homofóbico".
O quadro mudou a partir da posse de Bolsonaro. O Jornal Nacional deixa de passar pano para o chefe do Executivo e parte para um "embate frontal", a partir de denúncias de corrupção, da morte de Marielle Franco e de seus discursos negacionistas sobre a pandemia de Covid-19.